O termo Direitos Humanos desperta diferentes opiniões na sociedade brasileira. Uma parcela entenderá que são aqueles direitos básicos de todos cidadãos (direitos à vida, à escolaridade, vivenda digna, liberdade de expressão etc.). A outra achará que são pessoas alinhadas à esquerda que defendem direitos de bandidos. Independente disso, quem mora no Brasil sabe que esses direitos não “saem do papel” em muitas zonas. As favelas são provas vivas disso. As moradias precárias, o baixo nível de escolaridade, a falta de saneamento básico e a convivência constante com a violência são provas de que os direitos dos cidadãos na verdade não chegam a todos. Então surgiram no Brasil ONGs e outras instituições que lutam pelos direitos dos mais pobres e oprimidos.
Isso porque a desigualdade social é tão absurda que a luta
dessas instituições é constante e, em certos casos, radical. Lutam pelos direitos
sociais dos mais fracos e buscam cumprir a lei, evitando excessos que fariam do
Brasil um país absolutamente selvagem. Mas, mesmo sendo um país com certo grau
de civilidade, a lei do mais forte, que é a lei da selva, ainda impera em várias
ramificações da sociedade. Bandidos, por exemplo, oprimem o cidadão comum
enquanto a Polícia, com o aval da sociedade, oprime a família e amigos do bandido nas favelas. Em casos desse
tipo, alguns se revoltam com as ações do bandido, ao mesmo tempo que aceitam a
opressão do policial, tendo em mente que “bandido bom é bandido morto”. É então
que aparecem os famosos Direitos Humanos, que farão o possível para evitar um
linchamento público do meliante.
O problema surge quando acontece um caso ao
contrário: o Policial acaba morto pelo bandido. É então que aparece um dilema que
gera ainda mais indignação naqueles que defendem os direitos dos policiais: por
que os direitos humanos defendem somente bandidos? Se perguntam, indignados.
Acontece que os defensores dos Direitos Humanos normalmente são pessoas com
preferências polícias alinhadas à esquerda, que costuma abominar a ação truculenta
dos policiais, por não estar de acordo com a violência. É então que o impasse
aumenta: com uma ideologia contrária às ações policiais e ao sistema atual de Segurança
Pública em que o lado mais fraco acaba pagando pelo mais forte, os defensores
dos Direitos Humanos esquecem que o policial assassinado também é ser humano,
ou seja, também tem deveres, família, gostos, vontades, sentimentos, medos e,
mais importante, direitos. É uma contradição. As generalizações são inexatas, mas,
nesse caso, aqueles que defendem os DHs costumam selecionar quem merece esses
direitos e quem não. É então que assumem o papel dos que criticam, e é então que
aumenta a indignação dessa parcela da sociedade que acredita no “bandido bom é
bandido morto”. E, com mais indignação, menos aceitação às idéias contrárias,
pois se sentem injustiçados, ao invés de buscar entender o outro lado.
O mesmo acontece com os defensores dos Direitos
Humanos. Quando vêem um policial pregando a violência ou alguém defendendo
medidas autoritárias da Polícia Militar, se revoltam e esquecem que o outro
lado também tem direitos e deveres, além de também ser injustiçado nessa
sociedade em que, uma hora ou outra, todos acabam virando o lado mais fraco. A
Polícia também é o lado mais fraco em certos momentos. “Em São Paulo, de cada
10 policiais militares assassinados, 8 morrem em períodos de folga”, segundo um
post de Marcos Rolim no blog “Polícia e Segurança Pública”. Marcos continua e
diz que “por conta dos salários baixos, a folga termina sendo usada para o
segundo emprego, quando os policiais encontram-se sem o apoio de sua corporação.
Nessa circunstância, são mortos com freqüência, muitas vezes executados no
momento em que sua identidade é descoberta”.
Um post anterior de “1 Outro Ponto” fala sobre a
guerra que existe entre favela e Polícia. Essa guerra conta com o consentimento
da sociedade, que, sem saber encontrar um equilíbrio, geralmente defende
somente um lado da história, o que dificulta um consenso que buscaria soluções e promove um aaque mútuo de críticas em que todos dão sua solução, mas ninguém aceita nenhuma. É o que acontece com os Direitos Humanos
atualmente. Os policias brasileiros trabalham numa área que é, possivelmente, a
mais perigosa do país. São recebidos com violência em certas comunidades e com
hostilidade por uma parcela da população. Sem ser respeitado é difícil
respeitar. Como cobrar civilidade de uma pessoa que recebe hostilidade de
criminosos perigosos e que, mesmo colocando sua vida em perigo, não têm um salário
digno ou um mínimo de reconhecimento geral da população?
Os policiais “justiceiros” que depois de um
tempo formaram as primeiras milícias começaram com “boas intenções”. Estressados
e cansados de ver sua vida colocada em jogo enquanto a Justiça não funciona, pretendiam
diminuir os níveis de criminalidade e “solucionar” à sua maneira problemas que
a Justiça não consegue resolver. Claro que depois a lei da selva começou a
reinar de vez e hoje existem milícias controlando grandes áreas da periferia. Mas
esse “desespero” inicial dos policiais mostra as tristes condições a que são
submetidos. No livro O Homem X: Uma Reportagem sobre a Alma do
Assassino em São Paulo (Editora
Record, 2005), o tenente-coronel Adilson Paes de Souza aponta o padrão
dos depoimentos de policiais militares condenados por homicídio. Segundo Paes
de Souza, os depoimentos estão marcados por 1)
imersão idealista do policial no combate ao crime; 2) revolta com a impunidade dos criminosos; 3) justiça com a
própria farda; 4) prisão,
arrependimento e transferência da culpa para a corporação militar. Ou seja, os
policiais também são vítimas do sistema!
Portanto, eles também, merecem ser defendidos. Eles merecem condições
dignas de trabalho, preparo suficiente para encarar a difícil rotina das ruas e
um salário que pelo menos ajude a suprimir a necessidade de se corromper. Sem
defender as condições de trabalho dos policiais, não tem sentido defender os
direitos dos bandidos, pois um exclui o outro nesse caso. Defendendo os dois,
por outro lado, a sociedade começa a sair da lei da selva. Começa a pensar como
um coletivo e não de acordo com os ideais mesquinhos de cada um. É hora da
esquerda e dos os Direitos Humanos lutarem com mais ênfase pelos direitos dos
policiais. Somente a desmilitarização não resolve um problema que, fomentado
por anos de ódio e preconceito, chegou a um nível drástico onde impera o “quem
me ataca merece morrer, porque me atacou”. Nem os policiais aguentam mais a situação. Ninguém aguenta.
A hipocrisia não é exclusividade de uma parte
da população. É preciso olhar o próprio umbigo e superar preconceitos
interiorizados para poder exigir compreensão e respeito do outro. Se não existe
isso: rechaço a atos que também são praticados pela pessoa que rechaça. Se não continuaremos
com a proibição de atos praticados pela mesma pessoa que proíbe. E isso não
funciona. Isso contribuiu para formar o sistema atual e a polarização de idéias
que atualmente existe na sociedade brasileira. Essa polarização que não permite
um consenso. Trata-se de uma briga de cegos e banguelas fomentada pelo olho por
olho, dente por dente.
Se a esquerda é tão boa com
minorias e com as classes mais pobres, por que selecionam quais coletivos
defender? A Polícia não merece defesa? Na cabeça de alguns, talvez não. Esses, tomados
pela raiva, ficam cegos e contribuem a formar um sistema polarizado em que o
cão caça o gato, o gato caça o cão, e ambos são caçados pela sociedade como um todo, que é um
dono malvado, intolerante e arrogante. Um dono que se contradiz e defende somente o que acredita, sem
buscar entender outras opiniões. Isso não ajuda nada. Abrindo os olhos para a realidade e dando aos
outros o que queremos que deem a nós mesmos, será possível superar problemas
causados pela indignação com o “outro lado”. Somente dessa forma é possível
chegar à um consenso, caso contrário cada um continuará defendendo quem o
interessa, sem tentar compreender onde é possível melhorar. E onde está o
mérito nisso? É muito mais bonito buscar ajudar a todos, independente do lado que defendem. Os próprios
artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos fala disso. O artigo 1 diz que "Todas
as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de
razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito
de fraternidade". E é exatamente esse último item que falta nas relações
humanas no Brasil: espírito de fraternidade.
Quem quiser
ler mais sobre o tema, aconselho esses links:
Ler um artículo da Veja exige auto-controle, pois suas práticas jornalísticas quase sempre são
questionáveis e a linguagem é especialmente agressiva, mas, em um mundo em que cada um escuta somente o que agrada, é
preciso ver todo tipo de argumentos, de forma que seja possível formar uma
opinião mais próxima à realidade. Tendo isso em vista, coloco aqui o artículo
que inspirou essa publicação.
Link onde está a dissetação de Adilson Paes de Souza para baixar.