1 Outro Ponto

1 Outro Ponto

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Policiais também merecem Direitos Humanos



O termo Direitos Humanos desperta diferentes opiniões na sociedade brasileira. Uma parcela entenderá que são aqueles direitos básicos de todos cidadãos (direitos à vida, à escolaridade, vivenda digna, liberdade de expressão etc.). A outra achará que são pessoas alinhadas à esquerda que defendem direitos de bandidos. Independente disso, quem mora no Brasil sabe que esses direitos não “saem do papel” em muitas zonas. As favelas são provas vivas disso. As moradias precárias, o baixo nível de escolaridade, a falta de saneamento básico e a convivência constante com a violência são provas de que os direitos dos cidadãos na verdade não chegam a todos. Então surgiram no Brasil ONGs e outras instituições que lutam pelos direitos dos mais pobres e oprimidos.

Isso porque a desigualdade social é tão absurda que a luta dessas instituições é constante e, em certos casos, radical. Lutam pelos direitos sociais dos mais fracos e buscam cumprir a lei, evitando excessos que fariam do Brasil um país absolutamente selvagem. Mas, mesmo sendo um país com certo grau de civilidade, a lei do mais forte, que é a lei da selva, ainda impera em várias ramificações da sociedade. Bandidos, por exemplo, oprimem o cidadão comum enquanto a Polícia, com o aval da sociedade, oprime a família e amigos do bandido nas favelas. Em casos desse tipo, alguns se revoltam com as ações do bandido, ao mesmo tempo que aceitam a opressão do policial, tendo em mente que “bandido bom é bandido morto”. É então que aparecem os famosos Direitos Humanos, que farão o possível para evitar um linchamento público do meliante.

O problema surge quando acontece um caso ao contrário: o Policial acaba morto pelo bandido. É então que aparece um dilema que gera ainda mais indignação naqueles que defendem os direitos dos policiais: por que os direitos humanos defendem somente bandidos? Se perguntam, indignados. Acontece que os defensores dos Direitos Humanos normalmente são pessoas com preferências polícias alinhadas à esquerda, que costuma abominar a ação truculenta dos policiais, por não estar de acordo com a violência. É então que o impasse aumenta: com uma ideologia contrária às ações policiais e ao sistema atual de Segurança Pública em que o lado mais fraco acaba pagando pelo mais forte, os defensores dos Direitos Humanos esquecem que o policial assassinado também é ser humano, ou seja, também tem deveres, família, gostos, vontades, sentimentos, medos e, mais importante, direitos. É uma contradição. As generalizações são inexatas, mas, nesse caso, aqueles que defendem os DHs costumam selecionar quem merece esses direitos e quem não. É então que assumem o papel dos que criticam, e é então que aumenta a indignação dessa parcela da sociedade que acredita no “bandido bom é bandido morto”. E, com mais indignação, menos aceitação às idéias contrárias, pois se sentem injustiçados, ao invés de buscar entender o outro lado.



O mesmo acontece com os defensores dos Direitos Humanos. Quando vêem um policial pregando a violência ou alguém defendendo medidas autoritárias da Polícia Militar, se revoltam e esquecem que o outro lado também tem direitos e deveres, além de também ser injustiçado nessa sociedade em que, uma hora ou outra, todos acabam virando o lado mais fraco. A Polícia também é o lado mais fraco em certos momentos. “Em São Paulo, de cada 10 policiais militares assassinados, 8 morrem em períodos de folga”, segundo um post de Marcos Rolim no blog “Polícia e Segurança Pública”. Marcos continua e diz que “por conta dos salários baixos, a folga termina sendo usada para o segundo emprego, quando os policiais encontram-se sem o apoio de sua corporação. Nessa circunstância, são mortos com freqüência, muitas vezes executados no momento em que sua identidade é descoberta”.

Um post anterior de “1 Outro Ponto” fala sobre a guerra que existe entre favela e Polícia. Essa guerra conta com o consentimento da sociedade, que, sem saber encontrar um equilíbrio, geralmente defende somente um lado da história, o que dificulta um consenso que buscaria soluções e promove um aaque mútuo de críticas em que todos dão sua solução, mas ninguém aceita nenhuma. É o que acontece com os Direitos Humanos atualmente. Os policias brasileiros trabalham numa área que é, possivelmente, a mais perigosa do país. São recebidos com violência em certas comunidades e com hostilidade por uma parcela da população. Sem ser respeitado é difícil respeitar. Como cobrar civilidade de uma pessoa que recebe hostilidade de criminosos perigosos e que, mesmo colocando sua vida em perigo, não têm um salário digno ou um mínimo de reconhecimento geral da população?

Sem salário digno e sem valorização, os policiais também sofrem com o "sistema"


Os policiais “justiceiros” que depois de um tempo formaram as primeiras milícias começaram com “boas intenções”. Estressados e cansados de ver sua vida colocada em jogo enquanto a Justiça não funciona, pretendiam diminuir os níveis de criminalidade e “solucionar” à sua maneira problemas que a Justiça não consegue resolver. Claro que depois a lei da selva começou a reinar de vez e hoje existem milícias controlando grandes áreas da periferia. Mas esse “desespero” inicial dos policiais mostra as tristes condições a que são submetidos. No livro O Homem X: Uma Reportagem sobre a Alma do Assassino em São Paulo (Editora Record, 2005), o tenente-coronel Adilson Paes de Souza aponta o padrão dos depoimentos de policiais militares condenados por homicídio. Segundo Paes de Souza, os depoimentos estão marcados por 1) imersão idealista do policial no combate ao crime; 2) revolta com a impunidade dos criminosos; 3) justiça com a própria farda; 4) prisão, arrependimento e transferência da culpa para a corporação militar. Ou seja, os policiais também são vítimas do sistema!

Portanto, eles também, merecem ser defendidos. Eles merecem condições dignas de trabalho, preparo suficiente para encarar a difícil rotina das ruas e um salário que pelo menos ajude a suprimir a necessidade de se corromper. Sem defender as condições de trabalho dos policiais, não tem sentido defender os direitos dos bandidos, pois um exclui o outro nesse caso. Defendendo os dois, por outro lado, a sociedade começa a sair da lei da selva. Começa a pensar como um coletivo e não de acordo com os ideais mesquinhos de cada um. É hora da esquerda e dos os Direitos Humanos lutarem com mais ênfase pelos direitos dos policiais. Somente a desmilitarização não resolve um problema que, fomentado por anos de ódio e preconceito, chegou a um nível drástico onde impera o “quem me ataca merece morrer, porque me atacou”. Nem os policiais aguentam mais a situação. Ninguém aguenta.



A hipocrisia não é exclusividade de uma parte da população. É preciso olhar o próprio umbigo e superar preconceitos interiorizados para poder exigir compreensão e respeito do outro. Se não existe isso: rechaço a atos que também são praticados pela pessoa que rechaça. Se não continuaremos com a proibição de atos praticados pela mesma pessoa que proíbe. E isso não funciona. Isso contribuiu para formar o sistema atual e a polarização de idéias que atualmente existe na sociedade brasileira. Essa polarização que não permite um consenso. Trata-se de uma briga de cegos e banguelas fomentada pelo olho por olho, dente por dente.   

Se a esquerda é tão boa com minorias e com as classes mais pobres, por que selecionam quais coletivos defender? A Polícia não merece defesa? Na cabeça de alguns, talvez não. Esses, tomados pela raiva, ficam cegos e contribuem a formar um sistema polarizado em que o cão caça o gato, o gato caça o cão, e ambos são caçados pela sociedade como um todo, que é um dono malvado, intolerante e arrogante. Um dono que se contradiz e defende somente o que acredita, sem buscar entender outras opiniões. Isso não ajuda nada. Abrindo os olhos para a realidade e dando aos outros o que queremos que deem a nós mesmos, será possível superar problemas causados pela indignação com o “outro lado”. Somente dessa forma é possível chegar à um consenso, caso contrário cada um continuará defendendo quem o interessa, sem tentar compreender onde é possível melhorar. E onde está o mérito nisso? É muito mais bonito buscar ajudar a todos, independente do lado que defendem. Os próprios artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos fala disso. O artigo 1 diz que "Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão  e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade". E é exatamente esse último item que falta nas relações humanas no Brasil: espírito de fraternidade.


Quem quiser ler mais sobre o tema, aconselho esses links:



Ler um artículo da Veja exige auto-controle, pois suas práticas jornalísticas quase sempre são questionáveis e a linguagem é especialmente agressiva, mas, em um mundo em que cada um escuta somente o que agrada, é preciso ver todo tipo de argumentos, de forma que seja possível formar uma opinião mais próxima à realidade. Tendo isso em vista, coloco aqui o artículo que inspirou essa publicação.

Link onde está a dissetação de Adilson Paes de Souza para baixar.



quarta-feira, 23 de abril de 2014

A favela diz basta. Ninguém escuta.

A primeira cena do filme Cidade de Deus mostra um momento de tranqüilidade na favela; risadas, samba e algumas galinhas que estão presas ou sendo preparadas para a churrasqueira. Se trata de uma metáfora que, de tão profunda e correta, passa desapercebida para muitas pessoas. As galinhas representam os moradores de favelas. As que estão presas em gaiolas vêem como as “amigas” são degoladas e preparadas para o churrasco ali mesmo, na frente delas. Entretanto, estão presas e nada pode ser feito para fugir da morte, que parece iminente.

Uma delas escapa e começa a correr despertando gritos de “pega a galinha” dos membros da gangue do Zé Pequeno. Depois de quase ser atropelada por um camburão da Polícia, a pobre ave acaba encurralada quando encontra o protagonista Buscapé na sua frente. Atrás do simpático personagem e da galinha, um camburão de Polícia. A câmera então faz uma volta completa (criando uma das mais famosas imagens do cinema brasileiro) e mostra, como a galinha e Buscapé estão entre duas ameaças: os bandidos e os policiais. Estão encurralados. Não há para onde correr e o destino dos dois por um segundo parece ser o mesmo das galinhas degoladas.

Trata-se de uma realidade que, apesar de triste, é comum e considerada normal para uma parcela da população. Quem mora em favelas está como as galinhas: assiste a morte de seus semelhantes e nada pode fazer a não ser esperar sua própria morte ou correr. Se tenta correr, uma hora ou outra acaba encurraladas pela Polícia ou pelos bandidos, quando não por ambos, como a galinha perseguida do filme. Mas algo está mudando nas “gaiolas” brasileiras. Há tempos surgiu um sentimento de revolta que domina grande parte dos moradores de comunidades. A cada nova morte, mais indignação e protestos.



Os fatos

Ontem, três pessoas foram mortas no Rio de Janeiro. O caso que ganhou mais repercussão ocorreu nos Morros do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, onde o jovem dançarino do programa “Esquenta”, da Rede Globo, Douglas Rafael da Silva Pereira, teria sido espancado até a morte por PMs da UPP. O caso despertou revolta entre os moradores, que, com agressividade, protestaram na manhã seguinte entre as praias de Copacabana e Ipanema, onde se localiza o morro onde Douglas morava. Foram feitas barricadas e houve conflito com a Polícia, que supostamente baleou outros dois cidadãos no protesto: um menino de 12 anos identificado como Matheus e um homem de 27 anos chamado Edílson da Silva Santos.

Manifestação em Copacabana nessa terça-feira, 22 de abril


A versão da Polícia sobre o caso do dançarino Douglas aponta que o jovem caiu de um muro e morreu pelos ferimentos. Entretanto, os exames do IML indicam que "Hemorragia interna decorrente de laceração pulmonar decorrente de ferimento transfixante do tórax - ação perfuro contundente", ou seja, algo perfurou o tórax do dançarino. A Polícia não assume a responsabilidade, mas está sendo investigada enquanto os moradores a acusam de assassinato.

Hoje, um curta-metragem que tem o jovem assassinado como protagonista emociona os usuários da rede. No curta, Douglas sai de uma partida de futebol, caminha normalmente por sua comunidade e acaba encontrando dois policiais, que, depois de tratá-lo com a típica brutalidade de nossa PM, o acaba matando com um tiro. Os dois PMs fogem e deixam o jovem lá, o que assustadoramente corresponde com a realidade, pois Douglas foi encontrado no chão, morto.

Douglas, o dançarino assassinado


Pouco se falou sobre a morte de Edílson. Por outro lado, médios de comunicação alternativos como a Mídia Ninja publicaram informações dizendo que o menino de 12 baleado participava da manifestação e, juntamente com outras crianças, jogava pedras nos policiais. A líder comunitária Deise Carvalho foi entrevistada pelo jornal A Nova Democracia e contou que nunca tinha visto a comunidade dessa forma. “Eu tenho 43 anos e, pela primeira vez na minha vida, eu vi a dor nos olhos das pessoas. A revolta, o ódio nos olhos das crianças, porque ele era o símbolo das crianças como dançarino”. Segundo a mesma líder comunitária, “as crianças estavam revoltadas. Foram para as ruas e estavam jogando pedras. Até um policial falou: se as crianças podem jogar pedras, as crianças podem morrer”. E continua: “Isso não foi coisa de traficante. Se fosse, os moradores não iriam sentir essa revolta. A gente sabe que quando é uma morte pelo tráfico, os moradores se acuam. Eles sabem que de repente vai ter uma represália”.

Segundo a Mídia Ninja, que, hoje, é um dos poucos meios de comunicação realmente centrados nos problemas sociais do Rio de Janeiro, “moradores afirmam que a favela não tem saúde, escola e saneamento, mas está repleta de polícia. Bens de cidadania ausentes e insegurança disfarçada de pacificação. A miliciarização da UPP chega ao Pavão-Pavãozinho”.

Esse panorama é o das gaiolas no churrasco do século XXI: a Polícia, assim como os bandidos, também mata. Às galinhas, resta ter esperança e continuar a vida, além de, claro, continuar com os protestos, onde serão considerados vândalos e bandidos pelos nobres ignorantes e despreocupados de nossas capitais. A Polícia Militar possivelmente será investigada nesses casos. Entretanto, nossa Justiça continuará culpando a pare mais fraca, nesse caso, os PMs suspeitos. Enquanto isso, o Secretário de Segurança Pública e os altos escalões das Polícias Militar e Civil continuam acatando decisões injustas dos tribunais enquanto promovem medidas cruéis com as periferias de sua cidade. Enquanto o Brasil continuar culpando e punindo exclusivamente os mais pobres, não será possível tomar medidas profundas que solucionem um problema mais profundo ainda. O Brasil, nesse momento, está tratando um câncer com aspirina ao punir unicamente os PMs envolvidos em mortes e unicamente os bandidos pobres. Os ricos, como Eduardo Azeredo do PSDB ou André Vargas do PT, por outro lado, ficam impunes e continuam desfilando em seus carros de luxo.

As três pessoas assassinadas rapidamente serão esquecidas. Infelizmente, surgirão outros Douglas, Edílsons e Matheus. Quem acredita que não tem nada a ver com isso, simplesmente faz parte do problema, pois não exige mudanças que sejam para o bem comum e, dessa forma, aceita essas mortes injustificadas e dignas de ditadura militar. Como diz o Capitão Nascimento na segunda edição de seu filme que, apesar de ser fictício, também é muito real e atual: "Não é à toa que os traficantes, policiais e milicianos matam tanta gente nas favelas. Não é à toa que existem as favelas. Não é à toa que acontece tanto escândalo em Brasília, e que entra governo e sai governo, e não mudam as coisas. Pra mudar as coisas, vai demorar muito tempo. O sistema é foda. Ainda vai morrer muito inocente”.

terça-feira, 15 de abril de 2014

O Brasil está “nos trilhos”, por incrível que pareça.

O Brasil não está bem. Ainda existem realidades e histórias dignas de filmes dramáticos, como os milhares de homicídios ocorridos em nossa pátria amada; as desocupações vergonhosas motivadas por interesses privados e ignoradas pelo Estado; os espancamentos motivados pela “justiça com as próprias mãos”; as milhares de crianças nas ruas ou desaparecidas; os analfabetos que nunca tiveram oportunidades educacionais; o trânsito e péssimo serviço público de transporte, que tira horas de bem estar dos cidadãos; a fome, que ainda existe inclusive ao lado de prédios comerciais onde se movimentam milhões de reais; a ignorância da população que literalmente ignora sua participação nos problemas do país; as vidas inocentes perdidas diariamente em favelas; os bilhões de reais dados a estádios que serão usados por 40 dias; os policiais ditatoriais que fazem sua própria lei ao invés de se submeter ao Estado de Direito; a terrível situação dos hospitais públicos, onde morrem pessoas esperando o atendimento; o preconceito histórico que sempre existiu principalmente nas classes favorecidas (incluído o preconceito contra pobres); a falta de ética e moralidade em nossos políticos; a falta de alternativas benéficas nas sucessões governamentais; os problemas de infra-estrutura; os altos preços de certos produtos; o monopólio da imprensa, que tem exatamente o mesmo discurso mesmo sendo rivais de audiência; a hipocrisia da própria imprensa, que se julga imparcial e protetora da sociedade, enquanto só protege seus próprios interesses; o ódio que o brasileiro sente de ser brasileiro e dos próprios conterrâneos; entre milhares de outros problemas que encheria páginas e mais páginas de qualquer jornal ou revista.




A situação não é boa, de fato. Mas a situação do país não está indo a pior. Não existem fatos, hoje, que demonstrem uma piora social no Brasil. Isso porque, antes, a situação era pior. Antes de 1994 o Brasil estava mais perdido ainda. A inflação era um terror (que não se lembra das compras nos mercados, de manhã era um preço e à noite, outro) e o país ainda sofria com todos esses problemas citados acima. O Governo de FHC não foi perfeito e teve muitos erros, mas estabilizou a economia. O Plano Real funcionou e, se hoje o Brasil tem estabilidade econômica, é graças aos trabalhos feitos ontem. Com a estabilização monetária, os governos seguintes poderiam manter o crescimento e aplicar os ganhos econômicos na sociedade. Foi o que o Lula fez. Seu governo também não foi perfeito: teve muitos erros e em certas situações foi especialmente omisso. Mas levou aos mais pobres um pouco da riqueza do país. Tirou milhões da miséria e implantou programas sociais que nos livraram da Crise Econômica Mundial, pois o crescimento do mercado interno manteve a econômica em alta, enquanto o resto do mundo estava em queda livre, arrastado com Estados Unidos e Europa. O Brasil se livrou da crise e conseguiu visibilidade internacional com Lula. Quitou a dívida externa e fez avanços sociais elogiados e copiados mundialmente.



Hoje, o mercado interno se estabilizou e o Brasil tem uma nova classe média que mantém o mercado interno funcionando, enquanto a maioria do resto do mundo (principalmente países como Espanha, Grécia ou Itália) não consegue sair de casa para comer em um restaurante ou para comprar uma roupa nova. Mas esse crescimento brasileiro vem diminuindo com o passar dos meses. E é por isso que jornais estrangeiros afirmam que o “oxigênio do Brasil acabou”. O mercado interno já não levanta a economia e o país precisa de novas alternativas. É hora de investir a longo-prazo. Somente ações desse tipo manterão o crescimento e oferecerão melhorias em infra-estrutura, transporte, educação e saúde, o que se traduz em simples bem estar social. O Governo Federal demonstrou ter percebido a mudança dos tempos: tomou a iniciativa e lançou alguns planos que, teoricamente, melhorariam essas áreas que continuam abandonadas. Os PAC-1 e PAC-2 são planos audaciosos que levariam investimentos desse tipo, mas pouco menos da metade do investimento foi destinado para a construção civil, o que não gera empregos nem traz desenvolvimento. E, das obras concluídas, mais da metade corresponde a financiamento hipotecário, o que não supõe avanços para long-prazo. Os Programas de Aceleramento do Crescimento, portanto, precisam justamente do que promovem: aceleramento, de forma que entregue obras úteis para o desenvolvimento. Os programas mantém suas promessas e demonstram investimentos em refinarias, complexos petroquímicos, usinas hidroelétricas, ferrovias, etc. Cabe à sociedade e à imprensa a vigilância do andamento dos programas e as críticas que constituirão melhoras dentro dos mesmos.

Outros programas do Governo pretendem mirar áreas diferentes. É o caso dos programas educacionais. Programas como o Prouni e o Pronatec demonstram um claro interesse do Governo Federal em oferecer educação de qualidade às classes mais pobres. Além disso, as manifestações exigiram, e o Governo prometeu a aplicação de 75% do montante do chamado pré-sal à educação (os outros 25% serão para a saúde). Essa porcentagem corresponde a 134,9 bilhões de reais investidos até 2022, segundo notícia da Agência Estado.  Apesar do número ainda não alcançar os 10% do valor do PIB, que é a meta buscada pelo Plano Nacional de Educação; em 2022, o investimento constituirá 7,21% do PIB, porcentagem superior aos 6,73% que existiria sem a destinação dos recursos do pré-sal. O número não é ideal, mas demonstra um avanço significativo na área da educação, o que contrasta, por exemplo, com a situação da Europa, aonde bolsas de estudo vem sendo cortadas diariamente e as matrículas de universidades públicas não deixam de ter alta de preços.



O transporte público será tema central durante a Copa do Mundo. Não somente brasileiros exigirão melhoras. Turistas do mundo inteiro sentirão em suas peles a situação em que os brasileiros se deslocam diariamente em grandes cidades e publicações estrangeiras apontarão modos de melhorar um problema que, hoje, parece ser difícil de solucionar. O certo é que existem muitas obras que em alguns anos vão melhorar o transporte nas grandes cidades. Os principais investimentos são dirigidos às ferrovias, que, segundo entrevista de Dilma Rouseff no programa Café com a Presidenta, não obstruem ruas e não são poluentes. Na mesma entrevista, a presidenta conta que serão investidos 32,4 milhões de reais em metrôs, VTLs (veículos leves sobre trilhos), monotrilhos e corredores de ônibus. Quem anda por uma grande cidade do país percebe rapidamente as obras relacionadas com o transporte. Obviamente essas obras hoje não oferecem melhoras, mas no futuro serão muito úteis, principalmente considerando que a frota de transporte privado não para de aumentar. Exigindo mais do Governo, medidas serão tomadas. Os donos de transporte privado precisarão de paciência extra, pois as obras complicam ainda mais o trânsito. Ainda assim, não há dúvidas de que o transporte público está recebendo investimentos. A dúvida surge quando o cidadão se pergunta se esses investimento realmente vão melhorar a situação do trânsito nas cidades. Nesse sentido, é possível pegar exemplos de outras cidades do mundo, onde a preferência pelo transporte público realmente demonstrou melhoras no trânsito, apesar de um início conturbado. Somente o tempo dirá se as medidas foram suficientes e, se não forem, a sociedade terá que xontinuar com suas exigências.

A saúde parece ser a área com menos projetos preparados. O maior triunfo do Governo foi com o programa Mais Médicos, que, apesar de muito criticado pela elite que forma o Conselho de Medicina, levou médicos onde não havia nem estrutura, nem profissionais. A medida está longe de solucionar o problema da saúde pública, mas aparece como uma boa alternativa para áreas pobres ou de difícil acesso. O programa mostra seu sucesso quando aparecem outras iniciativas parecidas. O Governo de São Paulo e seu governador, Geraldo Alckimin, vão implantar um programa parecido no estado mais rico do país. Faltam, por outro lado, fortes investimentos em estrutura e condições dos hospitais, problemas que deveriam ser pauta nas manifestações. Então, mais uma vez, cabe à sociedade exigir melhoras. Por outro lado, é contra produtivo reclamar de uma medida que não soluciona o problema, mas que o ameniza. É preciso valorizar tudo que melhora a situação. Se você tem câncer e toma aspirina porque não consegue pagar a quimioterapia, não tem sentido deixar de tomar aspirina se ela melhora um pouco seu problema. O mesmo vale para o Mais Médicos.

O Brasil precisa, sim, lutar contra as injustiças sociais, contra o descaso do Estado e contra a falta de ética de certos cidadãos e da maioria dos políticos. Mas, hoje, não tem sentido dizer que o país está indo a pior, principalmente porque ele tem recursos para investir e o está fazendo. O Brasil não sofreu com a crise econômica mundial e promove avanços enquanto o resto do mundo piora a cada dia. Não é hora de pessimismo, de queixas de barriga cheia ou de puro partidarismo ignorante. É hora de ir para as ruas! Foram precisos séculos para chegar nessa situação, serão precisos outros séculos para revertê-la. Mas o trabalho já começou. O Brasil pode aproveitar o momento, pode exigir melhoras nas condições de vida da população mais carente, pode mudar essa Polícia ditatorial. É hora de pegar a lista de problemas do primeiro parágrafo e escrever um “O Brasil pode mudar...” antes de cada problema citado. O Brasil pode eliminar cada uma dessas chagas que corrói seus cidadãos. Mas é necessária consciência de comunidade e boa vontade. Somente promovendo pensamentos e ideais de primeiro mundo será possível ter um país de primeiro mundo. Isso não acontecerá hoje, nem amanhã. Mas, quanto antes a sociedade exigir essas melhoras e essas mudanças profundas, antes teremos o país que todos desejam.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

A seleção de notícias do Jornal Nacional e a polarização da imprensa

Nesse fim de semana, uma reportagem do Brasil 247 fechou o balanço semanal de matérias do Jornal Nacional. Segundo os dados, de segunda a sexta, foram 56 minutos e 57 segundos de matérias desfavoráveis ao PT, enquanto o PSDB teve 1 minuto e 48 segundos de informações desfavoráveis. Os mais de 50 minutos que atacavam o Governo Federal trataram, principalmente, sobre a Petrobrás e sua CPI, o atraso nas obras da Copa, o baixo crescimento da economia e o caso do deputado André Vargas. Todos eles são temas delicados para o PT, apesar de alguns, como o caso da Petrobrás e do baixo crescimento da economia, terem crescido graças à sua freqüente presença na imprensa oposicionista.

O Brasil 247, que sempre apoiou os políticos petistas (2 + 4 + 7 é igual a 13, que é a sigla do partido), não destaca somente o alto grau de partidarismo do principal jornal das Organizações Globo; afinal, as publicações desse jornal progressista também são bem partidaristas. Prefere, por outro lado, destacar os fatos que deixaram de ser noticiado pelo jornal da Globo. Esses são os pontos:

1) Na quinta-feira o pré-candidato do PSDB ao governo de Minas, Pimenta da Veiga, foi indiciado pelo crime de lavagem de dinheiro pela Polícia Federal. A notícia teve só 38 segundos no “Jornal Nacional”.

2) A maior cidade do país (São Paulo) está muito próxima de um racionamento de água. Obras de abastecimento são de responsabilidade do governo estadual, ocupado pelo PSDB há 20 anos. Isso deveria ter bastante espaço no “JN”, mas não teve.

3) Uma parte considerável no noticiário anti-PT foi dedicada ao Deputado Federal André Vargas, que é acusado de ter envolvimento com um doleiro preso, pois andou no ”jatinho” do mesmo. A questão é que o senador Álvaro Dias, do PSDB, já andou nesse mesmo jatinho, segundo uma reportagem da Folha de 04 de março de 2001. Nada foi falado na Globo sobre isso.

Essas informações são importantes e desconhecidas graças à seletividade informativa dos principais meios de comunicação do país. Faltando pouco tempo para as eleições, os dados que apontam partidarismo na chamada Grande Imprensa disparam, e a seleção de notícias que prejudica só um lado também afeta a liberdade de informação da população, que teoricamente está assegurada dentro da liberdade de imprensa.

O problema surge quando o cidadão não sabe qual jornal apóia quem. E isso é conseqüência da omissão proposital da linha editorial dos meios de comunicação. Entre os principais veículos de comunicação do país, as Organizações Globo e o Grupo Folha se declaram neutros, enquanto o Grupo Estado e o Grupo Abril simplesmente não declaram nada. Ora, que serviço público é esse que, logo de cara, omite suas preferências políticas? O que pretendem com uma decisão dessas? A resposta está na credibilidade: quando uma pessoa sabe que você apóia esse e não aquele partido, ela desconsiderará suas informações, pois passa a considerá-las “propaganda” partidária.

Os meios de comunicação, com medo de ser tachados de partidaristas e de ter sua credibilidade condicionada, ocultam suas preferências políticas. Com isso, asseguram uma credibilidade que seria subtraída caso declarassem sua preferência política. Quem tem a perder com essa decisão são os cidadãos menos esclarecidos, que, sem conseguir ver preferências políticas claras, acreditam no que lhes convém. Não sabem exatamente onde se situa a manipulação e acabam caindo nela por não se atrever a abrir os olhos.

Hoje, a imprensa brasileira está fortemente polarizada, assim como a sociedade (um pode ser conseqüência do outro), o que facilita a identificação de ambos os lados. Mas é preciso abrir os olhos e analisar os noticiários friamente para entender por que publicam “isso” e não “aquilo”. Ou então basta ler análises de imprensa como esta. Elas destacarão a verdade, mas normalmente, assim como essa publicação do Brasil 247, atacarão o lado oposto.

Ainda assim, é importante conhecer quem nos informa. Somente dessa forma existirá a analise crítica que permite desmascarar manipulações. Dos quatro grandes grupos de comunicação citados anteriormente, todos são conservadores (a Folha em menor grau) e tendem a defender o PSDB (principalmente o Governo do Estado de São Paulo). As publicações progressistas têm menor audiência e visibilidade no Brasil. Revistas como Carta Capital ou Caros Amigos são conhecidamente de esquerda, assim como os chamados “blogs sujos” (nome inventado por José Serra para designar os meios de comunicação que atacaram sua campanha em 2010) como o Conversa Afiada de PH Amorim, o Viomundo de Luiz Carlos Azenha ou O Tijolaço de Miguel do Rosário.

Todas essas publicações esquerdistas criticam a Grande Imprensa e promovem, em suas publicações, um partidarismo similar, mas em relação ao PT e aos seus projetos sociais. Isso se deve, possivelmente, à polarização da Grande Imprensa. Quando os principais meios de comunicação do país protegem só um lado, surge um vácuo no mercado que exige publicações que protejam o outro lado. Esse outro lado hoje denuncia as publicações excessivamente partidaristas da Grande Imprensa (a seleção de notícias do JN, por exemplo) e protege os políticos do Partido dos Trabalhadores. Sua audiência é claramente progressista, apesar de atualmente contar com muitos comentaristas conservadores em suas notícias publicadas nas redes sociais.

E assim se articula a imprensa brasileira. Polarização tremenda e pouca vontade de entender o outro lado. Em ano de eleição essa polarização se acentua e chega ao extremo. E, nesse momento, é mais importante conhecer aquele que nos informa. Cabe à sociedade entender o papel de cada elemento e selecionar as informações que, contrastadas, mostrem a verdade. Por isso é sempre aconselhável ler publicações de ambos os lados da moeda. Somente dessa forma é possível entender a realidade como ela é: boa para alguns, ruim para outros, onde cada um destaca somente aquilo que lhe convém. Sabendo isso, é preciso se informar através de ambos lados para conhecer as informações verdadeiras.



PS: eu, Rafael, tenho claramente uma preferência progressista. Quem concorda com essas idéias se identificará com os temas de meu blog, apesar de eu não tratá-los com um ponto de vista exclusivamente partidarista. Quem não se identificar, procure ler para entender como o outro lado pensa. O mesmo conselho é aplicável àqueles de preferência progressista: ler a Veja pode parecer um sacrifício, mas somente conhecendo os argumentos opostos é possível chegar à um consenso. Isso é Democracia com D maiúsculo, quem quiser Ditadura deve voltar aos anos 60 ou se mudar para Cuba. Mas, hoje, é preciso aceitar e entender o outro lado para poder conviver com ele e superar as limitações de ambos. 

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Quando a CPI sai pela culatra

Quem pede tudo que quer, recebe o que não quer. A oposição tentou aproveitar as últimas denúncias relacionadas com a Petrobrás para criar uma CPI que, faltando pouco para as eleições, se uniria às notícias do deputado André Vargas e formaria o tendão de Aquiles do PT. As CPIs sempre foram um foco de atenção midiática e popular que condicionam a imagem dos partidos investigados. A intenção da oposição com a CPI exclusiva da Petrobrás era eleitoral e, fortalecida com o discurso da mídia anti-petista, obviamente atingiria o Partido dos Trabalhadores. Mas o tiro saiu pela culatra: com maioria na Comissão de Constituição e Justiça, a base do governo conseguiu ampliar o foco da CPI, que agora também vai investigar os contratos do Porto de Suape, em Pernambuco, e denúncias de formação de cartel no sistema de trens de São Paulo.

Saiu pela culatra porque, com essa mudança de foco, o PT atinge os talões de Aquiles de seus dois principais opositores: Eduardo Campos e Aécio Neves, do PSB e PSDB, respectivamente. Eduardo é governador de Pernambuco, onde se localiza o porto cujos contratos serão investigados. E o PSDB ainda não deu explicações sobre o escândalo nos trens de São Paulo. Por tanto, são temas delicados dentro desses três partidos. Todos serão investigados e os holofotes da imprensa estarão sobre os três partidos envolvidos nos três temas investigados. São coisas da Política. A oposição quis bater no PT e acabou se ferindo na briga. Os três partidos só tem a perder nessa briga, mas quem tem a ganhar é a população que vai conhecer detalhes dos três temas investigados e saberá com mais detalhes a forma como seus partidos preferidos se comportam no mundo político.


 As eleições se aproximam e as armas estão sendo carregadas. O PT conta com um importante “exército” de militantes nas redes sociais para se proteger e atacar, enquanto a oposição conta com os principais diários do país para ocultar e atacar. Essa CPI, mais que as outras, deixará claro que ninguém é santo no mundo político e vai mostrar claramente como essas Comissões Parlamentaria de Inquérito são praticamente manobras políticas para tocar na ferida de adversários. Trata-se de por holofotes em temas delicados cujos autores tentam mantê-los debaixo do tapete. A liberdade de expressão permitirá a exposição de todos esses fatos e a sociedade determinará, nas urnas, quem saiu menos ferido dessa Guerra Fria.

terça-feira, 8 de abril de 2014

A guerra no Brasil: panorama geral e possíveis soluções

“Se a Policia é braço armado do governo contra os pobres, o crime é braço armado da favela contra os nobres !!”. Essa frase define bem a situação de nosso país. Foi publicada por uma página que apóia o Primeiro Comando da Capital, a maior facção criminosa do país na atualidade. A página, que se chama “Nois não falha em missão 1533 pcc”, conta com mais de 5 mil seguidores e mostra claramente o pensamento criminoso que existe em certas favelas. Para esse ponto de vista, a Polícia é inimigo número 1. Algumas publicações mostram policiais baleados ou mortos, imagens vistas com alegria pelos usuários da página. Outras mostram abusos de autoridade da PM, o que gera uma profunda indignação nos seguidores.

Por outro lado, as páginas de apoio à Polícia comemoram outras mortes: a de bandidos. Considerando tudo isso, a situação fica clara com essas publicações: o clima é de guerra declarada entre policiais e criminosos. E nesse panorama, a sociedade aparece como fonte de financiamento, principalmente através do tráfico de drogas. Mas ela também tem uma participação nessa guerra. O mesmo descaso que a sociedade tem com os moradores de favelas, os criminosos tem com as classes mais altas. Não da para eximir a culpa das classes mais favorecidas. Apoiando medidas autoritárias (bandido bom é bandido morto) do Governo, ela incentiva o mal que volta contra ela mesma através de crimes. E ao marginalizar, estereotipar e ignorar os problemas das favelas, a sociedade aperta o gatilho junto com criminosos e policiais. É possível fingir que as “pessoas de bem” não tem participação nessa batalha diária e oculta, mas é mais proveitoso abrir os olhos e tentar entender a responsabilidade de cada coletivo nessa guerra que acaba com tantas vidas em nosso país.

Isso porque quanto mais a Polícia reprime com o aval das classes favorecidas, mais o crime responde com roubos e assassinatos. Vale a pena relembrar a frase vinda das favelas: “Se a Policia é braço armado do governo contra os pobres, o crime é braço armado da favela contra os nobres !!”. Ou seja, se o Governo (que, querendo ou não, representa a sociedade) põe policiais para atacar os pobres, os mesmos reacionam e contra-atacam aqueles que os atacam: a Polícia e a sociedade. Essa guerra não existe desde 1500. O “sistema” a criou e a mantém viva. Mas, hoje, já não interessa quem atacou primeiro, pois vale o olho por olho, dente por dente: se você mata um dos meus eu quero sua morte, se você marginaliza e faz pouco caso do coletivo que faço parte, eu não me importo com você. Esse pensamento existe em todas as esferas, não adianta negar.

A imprensa que vê com bons olhos a repressão da Polícia e a parcela da sociedade que aplaude os Capitães Nascimento da vida real também participam dessa guerra, pois não exigem explicações e aceitam práticas ditatoriais da Polícia. É por tudo isso que reprimir não é a solução. É exatamente por isso que ocupar as favelas com material militar (digna de grandes guerras do Oriente Médio), só piora a situação. E é por isso que dizer “bandido bom é bandido morto” significa buscar uma solução imediatista e completamente superficial (inclusive porque, da mesma forma que a sociedade fala isso, os criminosos respondem e dizem que “playboy bom é playboy morto”, de acordo com as crenças deles e com seu modo de ver o mundo). São necessárias medidas pacíficas. Motivar a guerra como fazemos agora só causará mais guerra. Os resultados já são devastadores, mas, caso nada seja feito, a tendência é piorar.

Aumentar o efetivo de policiais ou colocar UPPs em favelas é a mesma coisa que tratar um câncer com aspirina. Antes de qualquer coisa, é necessário investir no salário e no preparo de policiais. A PM não tem o preparo necessário para o século XXI. Os baixos salários motivam a corrupção e o uso da violência sem justificativa clara só gera ira nas favelas. Essa falta de justificativa surge principalmente em casos de “resistência seguida de morte”, que não são investigados por Tribunais Militares. Ou seja, uma brecha na legislação permite que policiais matem (ou executem) alguém, aleguem “resistência seguida de morte” e fiquem impunes de crimes que deveriam ser considerados gravíssimos em um Estado de Direito. Além disso, esse ódio de bandidos a policiais não aparece exclusivamente em páginas do PCC. Diversos policiais comemoram mortes de bandidos em suas redes sociais, o que demonstra a falta de orientação e de preparo na corporação. A Polícia, mais do que proteger e servir, também participa da guerra. E na guerra não existem limites, por isso vemos barbaridades como o corpo de Claudia sendo arrastado por uma viatura ou jovens presos em postes depois de serem espancados.

Nesse sentido, a Copa do Mundo será uma oportunidade de crescer. Quando a PM entre em contato com policiais da Europa e dos Estados Unidos, haverá um choque de valores imenso. Será hora de questionar práticas criminosas que aqui são aceitas. E será hora de observar outras condutas policiais que nos mostrarão a forma correta de preparar policiais. Serão necessários alguns puxões de orelha em nossas corporações, mas a crítica construtiva é a única forma de apontar pontos a melhorar. A sociedade tem que exigir mudanças nessa hora. Caso contrário perderemos uma grande oportunidade de melhora.

Outra medida útil seria eliminar a fonte de financiamento das facções. Pouco a pouco a sociedade vai percebendo que a guerra às drogas falhou. Financia facções criminosas; gera corrupção na Polícia, que recebe suborno para não acabar com as “bocas de fumo”; criminaliza o usuário (que, se for viciado, é uma pessoa doente) e gera uma disputa de interesses nas favelas que originam conflitos incontroláveis. É hora de atuar e resolver esse modelo ultrapassado revendo leis e buscando trazer ao Estado uma renda que, hoje, vai diretamente aos traficantes de drogas e de armas: a venda da maconha. Essa medida supõe tirar a maior fonte de renda dos criminosos, o que já é um bom avanço para limitar a compra de armas que são posteriormente usadas na guerra.


E, claro, é preciso exigir dos governos medidas humanitárias. Desde o final do século XIX as favelas são marginalizadas e ignoradas pelos mais favorecidos. Isso contribui para a situação atual em que os marginalizados odeiam os que marginalizam. Enquanto existir esse descaso, enquanto a sociedade apoiar medidas autoritárias e enquanto exigirmos a morte daqueles que nos afetam negativamente, estaremos contribuindo com essa guerra sanguinária e cruel. É preciso abrir os olhos. É preciso exigir mudanças e melhoras para todos os coletivos que participam dessa guerra. É preciso entender nossa responsabilidade e mudar pensamentos que ajudaram a criar a situação atual. Reclamar não ajuda. É preciso atuar.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Desabafo

Eu sinceramente tentei equilibrar todos os lados. Há muitos meses tento entender meu país lendo páginas diferentes, comentários em diversos jornais e diferentes opiniões publicadas em sites de incrível variedade. Em minha investigação movida por curiosidade, fiz o possível por tentar entender opiniões contrárias e, de verdade, sinto uma tristeza profunda no coração. Encontrei-me com muito rancor, muita ignorância, muito preconceito e muita informação mal escrita e mal intencionada. Vi lados se acusando e brigando. Fiz o possível para não odiar nenhum e por não me sentir preso a nenhum deles. Como jornalista, tentei ser imparcial. E a imparcialidade me mostrou que ninguém é dono da verdade, ao mesmo tempo que todos são donos da sua verdade. Antes eu me identificava com uma ideia, hoje, não concordo com ninguém, mas sim com certas idéias de alguns e de outros. Preciso desse equilíbrio para poder pensar com claridade, se não caio em um partidarismo nojento que nos prende a visões limitadas e preconceituosas.

Vi e vejo muito ódio no coração. E não é exclusividade da extrema direita e seu já conhecido preconceito por negros, gays, etc. Porque também encontrei muito ódio na extrema esquerda e nos diversos tipos de centros políticos, tanto centro-direita como centro-esquerda. Os evangélicos atacam gays e esquerdistas e recebem ataques dos mesmos coletivos. Os conservadores denunciam um “Pé Grande” que eles chamam de ameaça comunista e mantém seu velho ódio fascista ao mesmo tempo que se vêem salvos por acreditar em Jesus. Os progressistas ridicularizam, com um egocentrismo angustiante, certas idéias conservadoras e acreditam que são os donos da verdade só porque têm apoio eleitoral, enquanto caem no erro ao defender cegamente e incondicionalmente um projeto de governo que logicamente tem vários defeitos. A polarização é tão grande que, hoje, quem defende um partido político ou uma ideia, simplesmente ignora o que o outro tem a dizer, o que logicamente causa uma discussão sem sentido ou diretamente uma troca de acusações sem nenhum proveito útil para nossa sociedade.

Que tipo de Democracia é essa? Parecem mais minis-Ditaduras onde todos (e ninguém) têm razão. Temos que escutar o outro. Ninguém é tão burro a ponto de não dizer algo proveitoso e ninguém é tão esperto a ponto de nunca se equivocar. Precisamos de mais humildade e parar de ver a farpa no olho alheio para começar a perceber as vigas que nos cegam e contribuem a criar um sistema de que tantos se envergonham, mas não se movem para mudá-lo. Precisamos parar com esse egocentrismo que faz tanto mal ao país. E, urgentemente, precisamos tentar entender e aceitar os outros. Podemos começar parando de xingar quem tem idéias diferentes. Isso vale para quem gosta de falar da “corja” comunista do Governo Federal e também para quem fala dos “coxinhas” reacionários. Só está isento quem se abstém de estereótipos limitados e limitantes.

Conhecemos nossos problemas e a culpa não é dos políticos que nos opomos. Quem defende o PT, diz que a culpa é do PSDB e vice-versa. E quem não defende ninguém, ataca todos. Ora, onde queremos chegar? O pessimismo vem dominando nossas cabeças e parece que nunca ficaremos contentes com o que temos hoje: um país com seus problemas e virtudes. Vejo muita indignação e pouca solução. Vejo muita raiva e pouca ação. E também vejo muito ódio e pouca compreensão. É muito triste ver estrangeiros acreditando no Brasil enquanto nós reclamamos e nos atacamos sem sequer tentar entender o outro.

O PT não é o partido mais corrupto da história e o PSDB não criou a desigualdade que temos hoje. Cada um tem suas virtudes e seus defeitos. Temos uma história em comúm e moramos no mesmo país. Não há razões para odiarmos um ao outro. A única razão que tem sentido é a que aponta o egoísmo como culpado. Egoísmo por não querer entender o próximo, por ignorar o que o outro tem a dizer e por limitar nossa visão a estereótipos variados que só faz mal a nós mesmos. Ao invés de criticar por puro egocentrismo, achando que nossa opinião é a correta, podemos começar a unir opiniões para chegar a verdades absolutas. A imprensa não é neutra e não faz isso, então somente a sociedade pode tomar a iniciativa.

Todos exigem avanço, mas poucos atuam de forma correta a ponto de permitir esse avanço. Quero dizer que precisamos de mais consciência de comunidade e mais humildade para reconhecer quando estamos sendo hipócritas. Exigimos o fim da corrupção, mas idolatramos qualquer beneficio especial que nos dê vantagem (o famoso jeitinho brasileiro). Exigimos seriedade dos governantes e somos despreocupados com nossa cidade jogando lixo no chão e pichando as paredes. Queremos velocidade na Justiça e ignoramos problemas urgentes das favelas que acabam com vidas diariamente. Reclamamos da violência e da intolerância e abastecemos as mesmas com ódio a nordestinos, favelados, elitistas e conservadores. Queremos o fim dos assassinatos e desejamos a morte de semelhantes (políticos, policiais, bandidos, etc.). E também queremos o bem do Brasil enquanto temos vergonha do mesmo e criticamos tudo sem buscar entender os assuntos profundamente e sem pretender encontrar nossa parte de responsabilidade nos problemas nacionais.

Você está com raiva da situação atual e não agüenta mais tudo isso? Quer fazer um favor para o Brasil? Exija proporcionalmente a si mesmo tudo aquilo que quer dos outros e faça aos outros somente o que você aceitaria que fizessem a você. Se você não aceita a violência da Polícia, não fale da mesma com violência. Se você não quer ser discriminado, não odeie quem te odeia. Se você quer parar de ser roubado, não sonegue impostos, não suborne e não aceite vantagens na obtenção de documentos. E se você não agüenta a ignorância do nosso povo, abra sua mente e tente enxergar quando você atua com a mesma ignorância. É preciso olhar o próprio umbigo com uma visão crítica e reformar nosso interior, só então é possível criticar com autoridade moral suficiente para ser escutado. Vale para mim, para você e para todos nós. Nossa sociedade agradece e eu também. Obrigado por me escutar.



Rafael B.