1 Outro Ponto

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terça-feira, 6 de maio de 2014

A atitude de Rachel Sheherazade é “compreensível”

Eu compreendo as declarações de Rachel Sheherazade. Para ela é muito fácil olhar somente o ponto de vista dela e das pessoas de sua classe. É confortável ver o mundo nos locais que ela frequenta; com o carro que a leva a esses lugares e com uma casa grande e confortável. É muito fácil fechar os olhos para outras realidades e acreditar somente naquilo que faz bem para ela e para quem ela defende. É muito simples evitar se colocar na pele de outras pessoas que sofrem ou imaginar quais conseqüências podem ter algumas declarações em rede nacional.

Compreendo que ela não tenha interesse em observar o sofrimento alheio, isso causaria muito desconforto naquela cabeça que tem muito muita vontade de falar e pouca de ouvir. Como ela conseguiria dormir de noite se compreendesse as conseqüências das palavras que ela disse? Como ela conseguiria voltar a trabalhar sabendo que as mãos dela estão sujas de sangue? Por isso, amigos, eu compreendo que ela prefira ignorar e dizer que foi mal interpretada. Por isso eu entendo que seus apoiadores questionem as críticas dirigidas a ela enquanto culpam o PT por todos os males do país sem buscar compreender como nós criamos a realidade social de nosso país.

Foto de "adote um justiceiro" que circula pela Internet


Gente, respeitem a jornalista, para ela é simples falar o que acredita sem pensar nas conseqüências que suas palavras podem ter. Imagine se ela parasse para se colocar no lugar de pessoas inocentes que foram julgadas e assassinadas num “Tribunal de Rua” multitudinário. A "coitada" não conseguiria voltar a se pronunciar sobre qualquer assunto de criminalidade. A cama dela continuaria confortável para outros, mas não para ela, porque sua consciência não permitiria descanso. Imagine se ela se colocasse no lugar dos familiares de Fabiane, Alailton e Marcelo, todos espancados até a morte? Como ela reacionária quando percebesse que suas palavras motivaram atos tão repugnantes e medievais?

Três vítimas de espancamentos multitudinários e públicos


Ela simplesmente não imagina essas coisas porque não teria estrutura para agüentar as conclusões que sairiam disso. Então, prefere dizer que não apoiou nenhum crime. Prefere acreditar que os militantes do Governo estão conspirando contra ela. Logo ela! Que conseguiu mais de 160 mil visitas no “adote um bandido”. Quem são os militantes do PT para questionar uma jornalista tão influente e que gera tanta audiência? Quem são esses comunistas para exigir punições para seus comentários? Estamos falando de Rachel Sheherazade! Ela é a jornalista do momento. Aquela que fala verdades e que vai conseguir um contrato com um salário de 350 mil na Rede Bandeirantes. Aquela que defende pichações de Justin Bieber enquanto condena pessoas de seu próprio país à morte. Aquela que questiona tudo e todos, menos a si mesmo.

Rachel Sheherazade em programa do SBT


Mas, mesmo assim, amigos, devemos aceitar a Rachel Sheherazade, ela é uma menina e está crescendo. Um dia compreenderá que algumas palavras ditas em rede nacional e em horário nobre têm conseqüências extremamente profundas. E que defender ou “compreender” a violência significa contribuir com ela. Entendam, amigos, que conviver com pessoas que têm sempre o mesmo discurso nos leva a ter idéias parecidas. Nos faz ignorar pontos de vista alheios porque “sabemos” (na verdade, imaginamos) que o correto é o nosso pensamento e somente o nosso.

Não, amigos. O assunto ultimamente está ficando tão sério que já é hora de parar com ironias. Mais do que compreender, é preciso punição. Somente dessa forma será possível mostrar que cada declaração jornalística tem uma responsabilidade. Somente dessa forma evitaremos a apologia ao crime em rede nacional ou a publicação de falsas entrevistas com líderes do crime organizado (essa última é obra de Arnaldo Jabor e engana muita gente até hoje).

O jornalismo tem uma responsabilidade enorme. É difícil ter completa noção do alcance de uma comunicação. O Brasil é um país muito grande, com pessoas muito diferentes que têm realidades mais diferentes ainda. Como a “pobre jornalista” (desculpem, voltei com as ironias) imaginaria que suas declarações afetariam tanta gente? Ela simplesmente continuou falando o que acredita porque foi isso que a tirou da Paraíba e a trouxe para São Paulo, o que muitas pessoas consideram uma “grande conquista”.

O mundo é muito mais complexo e difícil do que Sheherazade ou pessoas de sua opinião imaginam. Para eles é fácil criticar a política de cotas, eles nunca precisarão delas! Para eles é muito simples dizer que não são racistas, eles nunca vão sentir o que é o racismo. E, para eles, é muito fácil dizer que “é compreensível” espancar alguém suspeito, porque nenhum familiar deles será considerado um bandido. Enfim, amigos, “o pior cego é aquele que não quer ver”. Quando achamos que nós somos os melhores do mundo, é muito simples imaginar que todos podem ser. Difícil é se colocar na pele dos outros. O difícil é ter responsabilidade, seriedade, comprometimento com a audiência e respeito com todos seres vivos. O difícil é ignorar nossas ideologias e preferências políticas para dar lugar a pensamentos inteligentes que favoreçam o maior número de pessoas possível.

A jornalista continuará influindo na opinião pública. Sem dúvida. Ela tem seguidores muito fiéis e prontos para rebater, muitas vezes com agressividade, qualquer crítica ou pensamento que vá contra o que eles defendem. Teremos que aceitar esse panorama porque o Brasil vive uma Democracia. Claro que os apoiadores de Sheherazade muitas vezes não aceitam opiniões alheias, críticas construtivas ou inclusive a própria Democracia. Mas, se nós não aceitamos as opiniões dessas pessoas, será impossível exigir que eles aceitem as nossas. E então não será possível conseguir qualquer tipo de punição para Rachel ou para casos parecidos que surjam no futuro.

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