“O erro acontece de
vários modos, enquanto ser correto é possível apenas de um modo”. Essa frase de Aristóteles tem mais
de dois mil anos, mas é totalmente aplicável aos dias de hoje, principalmente
com os últimos casos de justiça “com as próprias mãos”. Todo cidadão brasileiro
sabe que a Justiça brasileira não é assim tão cega, equilibrada ou, inclusive,
justa. Além disso, os presídios não reintegram ninguém; são campeões em formar
criminosos e tendem a romper com todos direitos fundamentais dos presos. Esse
panorama de (in)justiça gerou uma indignação geral da população. Ninguém está
feliz com o sistema atual. E é então que surge o problema. Indignados por não
ver melhoras na Segurança Pública das cidades brasileiras, muitos cidadãos
tentam fazer justiça e ordem sem acudir à Justiça ou aos protetores da ordem (a
Polícia). E é então que o problema se multiplica, pois não há forma de conter a
massa ou de promover julgamentos justos na rua. Para isso existe a Justiça e a
Polícia. A primeira julga seguindo regras supostamente justas e igualitárias. E
a segunda supostamente atua conforme a lei para promover a ordem. Todos sabem
que esses dois sistemas não são perfeitos e que devem melhorar muito. Mas se
ambos são assim, defeituosos, o que faz os cidadãos acreditarem que seus
julgamentos de rua são justos, eficientes e corretos? São simplesmente outras
formas de cometer outros crimes (ou erros, segundo Aristóteles), que criam
outras vítimas e contribuem para o descontento geral da população.
Os fatos
Esse fim de semana, mais uma pessoa foi vítima
de “justiceiros” (cidadãos normais que acreditam fazer justiça com as próprias
mãos). Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, foi amarrada e espancada sábado, no Guarujá,
depois de ser confundida com uma seqüestradora de crianças, segundo o marido da
vítima. A mulher, que tinha transtorno bipolar e sofreu traumatismo craniano
com as agressões, faleceu no hospital nessa segunda feira, 5 de abril. Deixou
duas filhas, uma de 13 anos e outra de 1 ano.
Fabiane jogada no chão no meio da multidão |
Tudo começou com uma um boato difundido pela
página “Guarujá Alerta”. A publicação mostrava a foto de uma mulher loira parecida
com a vítima dos “justiceiros”. Os agressores acharam que a seqüestradora era Fabiane
e, quando a mulher voltava para casa, foi agredida pelos moradores. A foto e a
publicação do “Guarujá Alerta” já foram retiradas do ar.
O administrador da página do Facebook se
apresentou à Polícia na manhã de hoje e vai prestar depoimento. A violência foi
registrada em vídeo por uma mulher e gerou indignação entre os
vizinhos, que publicaram em redes sociais sua opinião sobre o caso.
Publicações de amigos de Fabiane |
O contexto dos fatos, comentado
Há alguns meses, a ideia de “justiça com as
próprias mãos” vem ganhando novos adeptos. As declarações do vídeo “adote um
bandido”, de Rachel Sheherazade, foram aplaudidas por uma parcela da população
que, indignada com a impunidade em roubos e crimes de todo tipo, acreditam na
efetividade da justiça feita com as próprias mãos. Com essa filosofia em mente,
vários grupos de diversas cidades brasileiras decidiram atuar. Desde então
surgem notícias sobre cidadãos espancados por grupos que passaram a ser
chamados de “justiceiros” pela imprensa (buscam justiça com as próprias mãos). Não
foram somente bandidos espancados. Pessoas inocentes também caíram nas mãos de
grupos desse tipo.
Se a Justiça, que foi feita exclusivamente para
julgar, comete erros; como os cidadãos podem acertar em seus julgamentos? Claro
que podem encurralar verdadeiros bandidos, como fizeram diversas vezes. Mas, mesmo assim, linchar um ser humano se baseando em suspeitas e condená-lo sem um julgamento
prévio também é crime. E quem vai punir os “justiceiros”? Aparecerão outros
justiceiros para bater naqueles que mataram Fabiane? Obviamente a resposta é não.
Mas essa pode ser uma oportunidade para cada um de nós fazer um exame de consciência.
Bater em alguém não é correto. Essa medida nunca vai corrigir nenhum problema. Muito
pelo contrário! Só vai aumentar a insatisfação e a indignação geral de todos,
pois é um ato que só gera mais dor e mais vítimas.
Os bandidos devem ser julgados pela Justiça. Amarrar
um deles e esperar pela Polícia é possivelmente um ato aceitável. Mas, vendo o
panorama geral em que cidadãos não conseguem se controlar e partem para a
agressão se baseando em suspeitas mínimas, esse ato perde toda justificativa.
Por isso, cada um deve fazer seu papel. O cidadão de bem deve continuar “do bem”,
a Polícia deve continuar procurando bandidos e a Justiça deve continuar a julgá-los.
Pode parecer que esse sistema não da certo. Mas, se fazer justiça com as próprias
mãos desse algum resultado positivo, veríamos países socialmente desenvolvidos
com práticas similares. Mas esses países preferem apostar na Justiça e na
Polícia, pois sabem que somente esse sistema promove a justiça igualitária do
Estado de Direito e do século XXI. Qualquer outra medida significa, hoje em
dia, outro erro. E não deve ser praticada.
Fontes:
http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2014/05/mulher-espancada-apos-boatos-em-rede-social-morre-em-guaruja-sp.html
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/05/dona-de-casa-espancada-apos-boatos-facebook-morre-hospital.html
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/05/justiceiros-tentam-matar-mulher-com-proprias-maos.html
http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2014/05/mulher-espancada-apos-boatos-em-rede-social-morre-em-guaruja-sp.html
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/05/dona-de-casa-espancada-apos-boatos-facebook-morre-hospital.html
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/05/justiceiros-tentam-matar-mulher-com-proprias-maos.html
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