1 Outro Ponto

1 Outro Ponto

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Mais uma vítima mortal de espancamento promovido por cidadãos

“O erro acontece de vários modos, enquanto ser correto é possível apenas de um modo”. Essa frase de Aristóteles tem mais de dois mil anos, mas é totalmente aplicável aos dias de hoje, principalmente com os últimos casos de justiça “com as próprias mãos”. Todo cidadão brasileiro sabe que a Justiça brasileira não é assim tão cega, equilibrada ou, inclusive, justa. Além disso, os presídios não reintegram ninguém; são campeões em formar criminosos e tendem a romper com todos direitos fundamentais dos presos. Esse panorama de (in)justiça gerou uma indignação geral da população. Ninguém está feliz com o sistema atual. E é então que surge o problema. Indignados por não ver melhoras na Segurança Pública das cidades brasileiras, muitos cidadãos tentam fazer justiça e ordem sem acudir à Justiça ou aos protetores da ordem (a Polícia). E é então que o problema se multiplica, pois não há forma de conter a massa ou de promover julgamentos justos na rua. Para isso existe a Justiça e a Polícia. A primeira julga seguindo regras supostamente justas e igualitárias. E a segunda supostamente atua conforme a lei para promover a ordem. Todos sabem que esses dois sistemas não são perfeitos e que devem melhorar muito. Mas se ambos são assim, defeituosos, o que faz os cidadãos acreditarem que seus julgamentos de rua são justos, eficientes e corretos? São simplesmente outras formas de cometer outros crimes (ou erros, segundo Aristóteles), que criam outras vítimas e contribuem para o descontento geral da população.

Os fatos


Esse fim de semana, mais uma pessoa foi vítima de “justiceiros” (cidadãos normais que acreditam fazer justiça com as próprias mãos). Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, foi amarrada e espancada sábado, no Guarujá, depois de ser confundida com uma seqüestradora de crianças, segundo o marido da vítima. A mulher, que tinha transtorno bipolar e sofreu traumatismo craniano com as agressões, faleceu no hospital nessa segunda feira, 5 de abril. Deixou duas filhas, uma de 13 anos e outra de 1 ano.

Fabiane jogada no chão no meio da multidão

Tudo começou com uma um boato difundido pela página “Guarujá Alerta”. A publicação mostrava a foto de uma mulher loira parecida com a vítima dos “justiceiros”. Os agressores acharam que a seqüestradora era Fabiane e, quando a mulher voltava para casa, foi agredida pelos moradores. A foto e a publicação do “Guarujá Alerta” já foram retiradas do ar.

O administrador da página do Facebook se apresentou à Polícia na manhã de hoje e vai prestar depoimento. A violência foi registrada em vídeo por uma mulher e gerou indignação entre os vizinhos, que publicaram em redes sociais sua opinião sobre o caso.

Publicações de amigos de Fabiane

O contexto dos fatos, comentado

Há alguns meses, a ideia de “justiça com as próprias mãos” vem ganhando novos adeptos. As declarações do vídeo “adote um bandido”, de Rachel Sheherazade, foram aplaudidas por uma parcela da população que, indignada com a impunidade em roubos e crimes de todo tipo, acreditam na efetividade da justiça feita com as próprias mãos. Com essa filosofia em mente, vários grupos de diversas cidades brasileiras decidiram atuar. Desde então surgem notícias sobre cidadãos espancados por grupos que passaram a ser chamados de “justiceiros” pela imprensa (buscam justiça com as próprias mãos). Não foram somente bandidos espancados. Pessoas inocentes também caíram nas mãos de grupos desse tipo.

Se a Justiça, que foi feita exclusivamente para julgar, comete erros; como os cidadãos podem acertar em seus julgamentos? Claro que podem encurralar verdadeiros bandidos, como fizeram diversas vezes. Mas, mesmo assim, linchar um ser humano se baseando em suspeitas e condená-lo sem um julgamento prévio também é crime. E quem vai punir os “justiceiros”? Aparecerão outros justiceiros para bater naqueles que mataram Fabiane? Obviamente a resposta é não. Mas essa pode ser uma oportunidade para cada um de nós fazer um exame de consciência. Bater em alguém não é correto. Essa medida nunca vai corrigir nenhum problema. Muito pelo contrário! Só vai aumentar a insatisfação e a indignação geral de todos, pois é um ato que só gera mais dor e mais vítimas.

Os bandidos devem ser julgados pela Justiça. Amarrar um deles e esperar pela Polícia é possivelmente um ato aceitável. Mas, vendo o panorama geral em que cidadãos não conseguem se controlar e partem para a agressão se baseando em suspeitas mínimas, esse ato perde toda justificativa. Por isso, cada um deve fazer seu papel. O cidadão de bem deve continuar “do bem”, a Polícia deve continuar procurando bandidos e a Justiça deve continuar a julgá-los. Pode parecer que esse sistema não da certo. Mas, se fazer justiça com as próprias mãos desse algum resultado positivo, veríamos países socialmente desenvolvidos com práticas similares. Mas esses países preferem apostar na Justiça e na Polícia, pois sabem que somente esse sistema promove a justiça igualitária do Estado de Direito e do século XXI. Qualquer outra medida significa, hoje em dia, outro erro. E não deve ser praticada.


Fontes:

http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2014/05/mulher-espancada-apos-boatos-em-rede-social-morre-em-guaruja-sp.html

http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/05/dona-de-casa-espancada-apos-boatos-facebook-morre-hospital.html

http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/05/justiceiros-tentam-matar-mulher-com-proprias-maos.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário